Com o tema Superando os Obstáculos em Alergia Alimentar, a Organização Mundial de Alergias (WAO – World Allergy Organization) promove a Semana Mundial da Alergia até o próximo dia 29, chamando a atenção para a conscientização da sociedade sobre alergias.
O presidente do Instituto de Metabolismo e Nutrição (IMEN), nutrólogo e cardiologista Daniel Magnoni, disse à Agência Brasil que, no passado, a alergia alimentar e suas consequências, principalmente no trato gastrointestinal, passavam despercebidas pelo pouco conhecimento que se tinha.
“Hoje em dia, estamos nos habituando a tratar e identificar”, garantiu. A alergia alimentar compromete todas as faixas etárias, principalmente crianças e idosos. “São pessoas mais propensas a alergias e, por outro lado, mais propensas às complicações da alergia, dando, às vezes, problemas de saúde muito graves”, detalhou.
Segundo Magnoni, é conversando com o paciente que o especialista pode saber se ele tem ou não alergia alimentar. “E identificando outros tipos de sintomas semelhantes na própria família e, com o paciente, identificando alterações no trato gastrointestinal, como diarreia, distensão abdominal, cólicas, reações adversas na pele, levando a quadros que mostram que a pessoa está com algum tipo de alergia. Também identificando o nexo causal: se está relacionado diretamente com o comer algum tipo de alimento, seja em algumas horas e, até alguns dias antes”, afirmou.
As alergias alimentares podem ser fatais. Magnoni explicou que o consumo continuado de alimentos que dão alergia pode provocar casos de desnutrição ou má nutrição, causando deficiência de alguns tipos de minerais e proteínas.
Ele citou que a alergia ao leite de vaca, por exemplo, é um problema muito sério. Mas, hoje em dia, esse produto pode ser trocado por leites vegetais de soja ou de aveia, por exemplo. E, assim, suprir as pessoas das deficiências de proteínas e minerais. Ele sugeriu que se façam trocas com educação nutricional, identificando as possibilidades das trocas e, com isso, não ter os sintomas, nem desnutrição.
Alergia alimentar não é a mesma coisa que intolerância alimentar. Essa é uma deficiência enzimática do trato gastrointestinal que a pessoa ou tem como doença genética ou adquire secundariamente a outros tipos de doença, como desnutrição, câncer e diarreias crônicas. Os sintomas, muitas vezes, são bem parecidos e uma consulta ao profissional vai identificar o diagnóstico e tratar da forma mais correta.
Magnoni explicou que, na medicina, as profissões que podem fazer o diagnóstico de alergia alimentar são os gastroenterologistas, nutrólogos, alergistas e imunologistas. E, para crianças, os pediatras.
Aumento
A coordenadora do Departamento Científico de Alergia Alimentar da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), Lucila Camargo, confirmou que está havendo um aumento das alergias alimentares verdadeiras no Brasil. “As alergias estão aumentando mesmo, mas o Brasil sofre com erro de diagnóstico. Muita gente se acredita alérgico alimentar, mas não tem alergia alimentar”, observou.
Para fazer a diferenciação entre alergia alimentar ou outra doença, uma avaliação por um especialista é importante. Ele faz uma anamnese ou investigação minuciosa, para correlacionar a ingestão de alimentos com a manifestação dos sintomas. Depois, necessitando, o profissional pode lançar mão de testes auxiliares diagnósticos para confirmar ou afastar essa possibilidade.
“Havendo dúvidas, a gente pode proceder com teste de provocação oral (TPS). Esse procedimento traz um certo risco para o paciente porque dá o alimento de maneira controlada, em doses crescentes, em ambiente que permite controlar uma eventual manifestação alérgica grave. Só que esse procedimento é pouco disponibilizado tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como no sistema de saúde privado. Esse também é um dos gargalos que a gente tem para o diagnóstico, porque se é um procedimento considerado padrão ouro para checar o estado dos alérgicos, quer seja para o diagnóstico, quer seja para avaliar se aquele indivíduo tem intolerância ao alimento naturalmente, esse procedimento ainda é pouco reconhecido para ser realizado no SUS e no sistema particular”, acentuou.
Lucila informou, também, que o TPO foi liberado para ser executado para crianças alérgicas a leite de vaca até 24 meses de idade e incluído no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com essas mesmas finalidades e faixa etária.
“Mas a gente tem outras alergias alimentares nas diversas idades. O resto não fica contemplado”, destacou a coordenadora do Departamento Científico de Alergia Alimentar da Asbai. Frisou que poucos hospitais realizam o procedimento pelo SUS, mas não recebem do sistema público. Da mesma forma, os pacientes privados não conseguem ter o gasto ressarcido pelos planos de saúde.
Testes em farmácia
Outro problema em relação ao diagnóstico é que os testes alérgicos disponíveis podem dar positivo e o indivíduo não ser alérgico. Por isso, ela apontou que na visão de especialistas, a disponibilização de testes em farmácia “é péssimo. O paciente pode achar que é alérgico e, na verdade, ele não é”. Para os pacientes que têm alergia alimentar, a condução é tirar o alimento. Daí que há pessoas que estão em dieta de restrição com risco nutricional e prejuízo na qualidade de vida por positividade em testes alérgicos que não se confirmam na realidade.
“Por isso, a gente briga que não dá para ter testes alérgicos nas farmácias. Tem que ser indicado pelo especialista e contextualizado dentro de uma história clínica condizente, porque, senão, a pessoa fica achando que tem alergia alimentar e não tem. Esse é outro problema que faz a gente ter um erro diagnóstico para mais”, revelou.
No caso de o indivíduo ser realmente alérgico, por exemplo, ao leite de vaca e ao ovo, o alimento deve ser retirado da dieta. “Ele não vai poder comer”, lembrou.
Para crianças menores de um ano alérgicas a leite de vaca, a recomendação é o aleitamento materno. Quando esse não é suficiente, entra-se com fórmula especial infantil para alérgicos. Isso já é disponibilizado no SUS na maioria dos estados.
Para crianças maiores, a informação da alergia alimentar deve ser levada para as escolas e dita em restaurantes para que não tenham contato sem querer com o alimento. “Às vezes, uma pequena quantidade pode ser suficiente para deflagrar reações alérgicas graves”, advertiu a médica.
Lucila alertou, ainda, que, às vezes, em um restaurante, o contato cruzado de uma mesma colher usada para mexer um prato com camarão, que a pessoa tem alergia, e um prato com outro tipo de crustáceo que ela pode comer, isso pode deflagrar reações alérgicas.
Para os pacientes com restrição de alimentos é feito um tratamento multidisciplinar com nutricionista para manter uma dieta balanceada mesmo sem aqueles alimentos que dão alergia, e se estabelece para as famílias um plano de ação por escrito.
Alguns pacientes recebem indicação de carregar uma medicação que é a adrenalina autoinjetável para casos de reações alérgicas graves e potencialmente fatais, que é a anafilaxia. Essa medicação é efetuada e, em seguida, deve-se levar o paciente a um pronto-socorro, visando reverter os sinais de maneira rápida.
O problema é que, no Brasil, só existe a adrenalina autoinjetável dentro dos hospitais. De modo geral, não há o dispositivo que o próprio paciente ou o cuidador possa aplicar para dar tempo de chegar no hospital. Essa medicação é importada e cara, o que dificulta muito o acesso, em especial de pacientes do SUS. Em geral, a orientação dos especialistas é que a pessoa tenha duas canetas de adrenalina autoinjetável, que têm de ser renovadas à medida que finda a validade. “Acaba sendo muito caro”, opina.
Saúde pública
Na avaliação de Lucila Camargo, a alergia alimentar é um problema de saúde pública no mundo inteiro. No Brasil, ela disse que ainda há poucos levantamentos que mostrem a prevalência real do problema. “Mas ele está crescendo e se agravando. Os verdadeiros alérgicos também estão aumentando”. Na Austrália, por exemplo, a alergia alimentar atinge 10% das crianças. Nos Estados Unidos, os adultos são mais atingidos. Já na África, há poucos relatos.
As crianças são as mais acometidas. Os principais alimentos que provocam alergia são leite, ovo, soja, trigo, peixes, frutos do mar, amendoim, castanhas e, em alguns países, o gergelim. Há variações de país para país. No Brasil, atualmente, outro alimento que entrou no rol dos alérgicos é a banana [dada a crianças]. Lucila insistiu que esse é um fenômeno que está aumentando.
“Se antigamente a maioria dos alérgicos a leite e ovo ficava intolerante ainda na fase escolar, hoje em dia a gente tem visto crianças que arrastam isso para a fase adolescente e adulta. Os quadros estão ficando mais frequentes para mais alimentos, e ficando mais graves e persistentes”, finalizou a médica.
Edição: Kleber Sampaio